Fibromialgia é reconhecida como deficiência e assegura novos direitos a pacientes
A nova lei entra em vigor em 2026 trará mais segurança jurídica aos pacientes com fibromialgia, possibilitando benefícios como BPC, aposentadoria por invalidez e prioridade em serviços público

A partir de janeiro de 2026, a vida de milhares de brasileiros que convivem com a fibromialgia ganhará um novo capítulo. A Lei 15.176, sancionada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva e publicada no Diário Oficial da União no dia 24 de julho, reconhece a fibromialgia como uma deficiência em todo o território nacional.
A medida, que entrará em vigor em 180 dias, assegura a essas pessoas o direito de acesso às políticas públicas garantidas pela Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (Lei 13.146/2015). Trata-se de uma conquista histórica para quem vive com uma condição crônica e, muitas vezes, desacreditada por falta de sinais físicos visíveis.
Essa mudança legislativa não apenas traz reconhecimento a uma condição de saúde frequentemente invisível, como também garante às pessoas com fibromialgia acesso a benefícios como reserva de vagas em concursos públicos, cotas para contratação em empresas com mais de 100 funcionários, isenção do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) na compra de veículos adaptados e atendimento prioritário em diversos órgãos e serviços.
Para que esses direitos sejam efetivados, cada caso deverá passar por avaliação de uma equipe multiprofissional, que atestam a limitação funcional provocada pela doença.
A fibromialgia é uma síndrome caracterizada por dor crônica e generalizada, fadiga, distúrbios do sono, dificuldade de concentração, tontura, ansiedade e depressão. Segundo a Sociedade Brasileira de Reumatologia (SBR), cerca de 3% da população brasileira convive com a doença, sendo a maioria mulheres.
De origem ainda não totalmente compreendida, acredita-se que a fibromialgia esteja ligada a uma hipersensibilidade do sistema nervoso central, que amplifica a percepção da dor. Por não apresentar sinais visíveis ou alterações em exames laboratoriais, seu diagnóstico é complexo e, muitas vezes, demorado.
Esse foi o caso de Fabiane Gomes, de 50 anos, moradora de Aparecida de Goiânia, Goiás. Ela enfrentou anos de incertezas e dor até receber o diagnóstico. “Comecei a sentir dor ainda na infância, mas só aos 17 anos, após passar por vários médicos e exames, fui diagnosticada com fibromialgia. É uma luta diária. Atividades simples, como lavar louça ou pentear o cabelo, se tornam desafiadoras. Sinto dores 24 horas por dia”, relata. Desde 2018, Fabiane tenta obter o benefício por invalidez, sem sucesso.
“Já me chamaram de preguiçosa, de exagerada, de louca. Mas só quem sente essa dor sabe o quanto ela consome”, desabafa. Ela espera que a nova lei possa mudar esse cenário: “A gente sofre muito preconceito porque a doença é invisível. Agora, com o reconhecimento legal, espero que as coisas melhorem. Só quero viver com dignidade.”
Reconhecimento legal e segurança jurídica
O advogado trabalhista, Luís Gustavo Nicoli, destaca que a nova lei traz segurança jurídica e uniformiza o tratamento da fibromialgia em todo o país. “Com a lei federal, os direitos passam a valer em todas as unidades da federação. Pessoas com fibromialgia poderão pleitear, por exemplo, o Benefício de Prestação Continuada (BPC/LOAS), aposentadoria por invalidez ou auxílio-doença, desde que comprovada a incapacidade funcional e a vulnerabilidade social, no caso do BPC”, explica.
Para isso, é necessário apresentar laudos médicos detalhados, com descrição dos sintomas, exames e relatórios de acompanhamento. A avaliação deve seguir os critérios do Modelo Biopsicossocial, previsto pela Classificação Internacional de Funcionalidade (CIF), considerando não apenas o diagnóstico, mas os impactos reais da doença sobre a vida da pessoa.
Ainda segundo Nicoli, a nova legislação pode facilitar também o acesso a adaptações no ambiente de trabalho e garantir jornadas reduzidas, desde que haja recomendação médica. “O reconhecimento da fibromialgia como deficiência não elimina a necessidade de perícia no INSS, mas amplia a compreensão sobre as limitações enfrentadas pelos pacientes. Isso pode impactar positivamente nos julgamentos de pedidos administrativos e judiciais”, afirma.
A realidade de Fabiane ilustra bem esses desafios. Ela conta que já teve diversos pedidos negados e atualmente está novamente na justiça para tentar receber algum benefício. Além das dores físicas, a doença afeta seu bem-estar emocional e suas relações pessoais: “Minha filha diz que mudo de humor muito rápido. Faço tratamento com psiquiatra, psicólogo, tomo medicações, mas é muito difícil. Estou sem benefício e sem condição de voltar ao trabalho.”
Apesar disso, ela mantém a esperança. “Essa lei veio como um sinal de que a nossa luta não é em vão. Que alguém nos ouviu. Espero que a lei se cumpra e que, finalmente, sejamos vistos como pessoas com deficiência. Já que a dor não é vista, que pelo menos nossos direitos sejam reconhecidos.”
O Sistema Único de Saúde (SUS) oferece tratamento multidisciplinar para a fibromialgia, que inclui medicação, fisioterapia, psicoterapia e atividade física supervisionada. Embora não haja cura, as intervenções ajudam a reduzir os sintomas e melhorar a qualidade de vida. Práticas como caminhadas, alongamentos, alimentação balanceada, terapia cognitivo-comportamental e higiene do sono são recomendadas.
A psicóloga clínica Jéssica Prado explica que a fibromialgia vai muito além da dor física. “É preciso compreender que a dor persistente pode gerar isolamento, sentimentos de impotência e, muitas vezes, levar à depressão. Por isso, a escuta qualificada e o acolhimento psicológico são fundamentais para fortalecer o paciente e promover estratégias de enfrentamento que permitam a retomada da autoestima e da autonomia”, afirma.
Além do tratamento clínico, o suporte emocional também é essencial. Grupos de apoio e associações de pacientes têm se mostrado importantes espaços de acolhimento e troca de experiências. “É onde a gente se sente compreendida, onde ninguém questiona se a dor é real”, comenta Fabiane.
Com a nova legislação, o Brasil dá um importante passo no reconhecimento da fibromialgia como um desafio real e incapacitante. Mais do que acesso a direitos, a lei representa uma mudança de paradigma: reconhecer a dor do outro, mesmo quando não se pode vê-la, é também um ato de justiça e humanidade.