Uma iniciativa legislativa está sendo impulsionada por parlamentares aliados ao ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) para mudar a Lei da Ficha Limpa e tentar reverter sua inelegibilidade, permitindo sua candidatura à presidência da República em 2026. Trata-se do Projeto de Lei Complementar (PLP) 141/2023, que altera a Lei da Ficha Limpa, reduzindo de oito para dois anos o prazo de inelegibilidade de políticos condenados pela Justiça Eleitoral. A informação foi apurada pelo portal Congresso em Foco e divulgada nesta terça-feira (4).
A proposta, de autoria do deputado federal Bibo Nunes (PL-RS), pode ser interpretada como uma estratégia para Bolsonaro retomar seus direitos políticos antes das próximas eleições presidenciais.
Em 2023, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) condenou o ex-presidente por abuso de poder político e uso indevido dos meios de comunicação ao atacar, sem provas, as urnas eletrônicas durante o pleito de 2022. Primeiro ex-presidente na história a perder direitos políticos em um julgamento na Corte, Bolsonaro está impedido de disputar cargos eletivos até 2030.
A proposta está na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara, e sua tramitação dependerá do equilíbrio de forças entre governistas e opositores de Bolsonaro. Se houver forte mobilização social contra a medida, como ocorreu em outros momentos, as chances de sua aprovação podem diminuir.
Sanção ou veto
Além disso, o projeto ainda precisa passar por votações no Congresso Nacional e, mesmo que aprovado, precisa ser sancionado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), desafeto radical de Bolsonaro. Parlamentares bolsonaristas acreditam que conseguiriam reunir apoio suficiente para derrubar um eventual veto e fazer a lei entrar em vigor a tempo das eleições de 2026.
Por outro lado, para dar tempo de beneficiar o ex-presidente, o projeto teria de passar por todo o processo, ser sancionado e convertido em lei até outubro. Além disso, a iniciativa é vista como alternativa ao projeto de anistia para os envolvidos nos atos golpistas de janeiro de 2023. A relatoria do texto foi distribuída em dezembro do ano passado ao deputado Filipe Barros (PL-PR)
Bolsonaro apoia iniciativa
Em entrevista ao Congresso em Foco, Bibo Nunes afirmou que Bolsonaro “gostou da proposta” e que a considera justa. “Ele gostou da proposta, não tem como não gostar. Todos os partidos e políticos vão gostar porque oito anos é um absurdo”, disse o deputado.
Apesar da declaração de Bibo, a proposta tem sido criticada por especialistas e entidades que atuam no combate à corrupção. O ex-juiz eleitoral Márlon Reis, idealizador da Lei da Ficha Limpa, classificou o projeto como o “maior ataque já feito” à legislação, aprovada em 2010 por meio de iniciativa popular com mais de um milhão de assinaturas.
Reação e preocupação
A proposta será tema de uma reunião do Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral (MCCE), responsável pela Lei da Ficha Limpa, no próximo dia 13, em Brasília. O diretor da entidade, Luciano Santos, alertou que a iniciativa pode avançar caso não haja pressão da sociedade.
“Capitaneado pelo Centrão e pelo PL, o Congresso tem adotado um posicionamento de endurecimento nas questões penais, e de afrouxamento nas questões relacionadas aos políticos”, apontou ele ao portal
Segundo Márlon Reis, o projeto de Bibo Nunes é uma estratégia para livrar políticos de sanções. “Já conseguimos barrar outras tentativas de enfraquecer a Ficha Limpa nos últimos 14 anos. O risco agora é maior porque muitos congressistas veem no projeto uma oportunidade de se beneficiarem diretamente”, afirmou o ex-juiz.
Mudanças na inelegibilidade
O tempo de inelegibilidade previsto na Lei da Ficha Limpa é de oito anos após o cumprimento da pena. No entanto, a proposta de Bibo Nunes encurta esse prazo para dois anos. Se aprovada, a medida não apenas beneficiaria Bolsonaro, mas também diversos outros políticos que atualmente estão impedidos de disputar eleições.
A estratégia bolsonarista para aprovar a proposta envolve convencer parlamentares de diferentes partidos de que a medida teria um impacto generalizado, atingindo tanto políticos de esquerda quanto de direita.
Além do PLP 141/2023, outra proposta que enfraquece a Ficha Limpa está em tramitação no Senado. O projeto, de autoria da deputada Daniele Cunha (União-RJ), filha do ex-deputado Eduardo Cunha, prevê que a contagem da inelegibilidade comece a partir da condenação em órgão colegiado, e não após o cumprimento da pena.
Impactos políticos e jurídicos
Caso o PLP 141/2023 seja aprovado, Bolsonaro poderia voltar ao jogo político em 2026, um cenário que preocupa adversários políticos e setores da sociedade civil. Para os defensores da Ficha Limpa, a iniciativa representa um retrocesso.
A Associação Brasileira de Eleitoralistas divulgou nota repudiando a tentativa de afrouxamento da Ficha Limpa e alertando para os riscos de se permitir que condenados por crimes graves possam disputar eleições mais rapidamente. “Reduzir drasticamente o prazo de inelegibilidade de condenados por crimes gravíssimos é inaceitável”, diz um trecho da nota indicado pelo Congresso em Foco.
Diante da polêmica, é certo que sua tramitação colocará novamente Bolsonaro no centro do debate político, seja como candidato fora da corrida ou como beneficiário direto de uma mudança legislativa controversa.